Foi na “minha casa” que fui parida, acho que na altura era muito comum os partos decorrerem em casa, assistidos por uma parteira que se chamava a correr. No meu caso, foi a minha irmã Bea, com 7 anos que foi fazer esse recado com o aviso prévio e aflito de que era muito urgente pois “estava a chegar a mana”…acabou-se o mito da cegonha para a Bea que, por sinal, desde logo me ficou a odiar…eu não correspondia às expectativas de uma bebé carequinha e muito rosada, criadas pelo livro “Anita e o irmãozinho”. Tinha uma descomunal cabeleira muito negra, segundo reza a história (como compreendo agora o susto que apanhaste irmã!).
Saltando alguns anos e porque a intenção inicial não era falar de mim mas sim da casa (tinha que fazer esta introdução para que se percebesse a importância que tinha para mim “a minha casa”)……
REDACÇÃO: “A MINHA CASA”
“A minha casa” era mesmo muito minha! Fui a única da família que lá nasceu.
Sempre foi uma casa velha, era centenária e vinha acompanhada de uma história romanceada. A minha mãe contava-me que tinha sido mandada construir pela família de um médico que se deslocava a cavalo, de burro ou mula(???), para assistir os seus doentes. Por isso tinha ainda um espaço exterior, já modificado, que tinha outrora sido um estábulo. (Tenho um amigo que também me contou que o seu avô, médico, também visitava os doentes a cavalo. Não lhe contei esta história porque na altura não me ocorreu, hoje é que a desencantei do baú das minhas memórias. Poderia ter sido o médico da minha casa mas as datas e o local não coincidem).
Tinha também pequenos pormenores, ou mimos, que se notava perfeitamente não terem sido mandados fazer ao acaso mas sim com muito amor e entusiasmo de alguém que está a construir a sua primeira casa.
Construída num local que era elevado na fachada principal, o equivalente a um meio primeiro andar e nas traseiras ao nível de um rés-do-chão, não sei se me fiz explicar, resumindo, para chegarmos à porta da frente tínhamos que subir 8 degraus. Tinha um enorme muro branco a toda a volta, que, estando ao nível do jardim/casa era apenas um muro baixinho. Era o número 46 e tinha portas e janelas de madeira pintadas de verde. A porta principal, tinha dois postigos que se podiam abrir do interior e não tinha campainha mas sim um “punho fechado”, em ferro, que se agitava contra meia-esfera também de ferro e que servia de batente.
Tinha um jardim ou quintal, ou o que lhe quiserem chamar, a toda a volta e uma varanda inclinada por cima da cozinha. Esta tinha a particularidade de não ter escadas de acesso, o mesmo era feito com uma escada amovível de madeira, ou, para quem não conseguia manusear a mesma sozinha, trepando a uma árvore... daí para o telhado e de seguida em equilíbrio até à dita varanda misteriosa…acompanhada de uma valente repreensão da minha mãe vinda do rés-do-chão “Desce daí imediatamente que é perigoso!!!!!!”
Tinha uma arrecadação exterior à qual chamávamos carinhosamente de “casinha”(o tal antigo estábulo) e numa as fachadas laterais, um galinheiro em alvenaria, que nunca tinha sido habitado e que se encaixava na perfeição para minha grande casa de bonecas…mais tarde local secreto dos primeiros beijos nas caras de namorados infantis (devo confessar que fui sempre muito dada a paixões).
NOTA: Neste momento as teclas do PC correm com vida própria, as memórias surgem a uma velocidade impressionante deixando-me com os olhos brilhantes…que maravilha de sensação. Pena que não possam desfrutá-la como eu. Quem me dera possuir dotes literários suficientes para tornar este texto tão poético como o que estou a sentir…
Na parte da frente tinha um terraço com chão de mosaicos rústicos, onde, na altura do Natal, crescia musgo que arrancávamos às tirinhas, com uma faca, para dar ao presépio um ar natural. Dois bancos corridos de alvenaria (se me colocasse de pé em cima deles, conseguia ver o mar que ficava a uns 9 ou 10 quilómetros) e um canteiro ao centro com uma árvore que aumentava muito em altura de ano para ano, achando eu que estava quase a chegar ao céu, e, cujos ramos cresciam em níveis faseados do maior para o menor, como um cilindro (falha imperdoável, não sei o nome da dita espécie).
Descíamos dois degraus e tinha outro pátio, desta vez com chão em calçada portuguesa, quatro banquinhos em cimento e pedra e uma fonte muito sui-géneris ao centro. Não resisto, vou falar da fonte….
A dita fonte era circular e a parte de baixo funcionava no Verão, única altura do ano em que tinha água (não havia dinheiro para esses luxos durante as outras estações), como uma mini, mesmo muito mini, piscina. O topo era construido aos anéis de cimento pintado de branco, do maior para o menor, tipo chapéu mexicano, para que a água escorresse desde lá de cima. Era a minha delícia esta fonte quase sempre seca!
Mal subíamos os degraus da entrada, tinha ao lado direito, uma buganvília ENORMEEEEEE, com tanta sombra que na minha adolescência, achei que devia ser aproveitada e foi presenteada com uma mesinha velha e cadeiras desencontradas…local que fazia as vezes de escritório, onde fazia os TPC, bebia limonadas e recebia os amigos da escola. Quando fui estudar para Lisboa, a dita cuja foi vítima de uma rajada de vento feroz tendo-se quebrado o tronco pelo meio. Quando vi o estado em que ficou chorei de desgosto.
Nas traseiras tinha uma figueira grande, muito velhinha, que dava uns figos magníficos, segundo diziam (nunca fui muito entusiasta a esse respeito, sempre comi figos a medo, com a terrível sensação de que dezenas de larvas poderiam estar camufladas no seu interior).
A maioria das portas interiores eram de madeira divididas em duas partes. A do quarto dos meus pais tinha vidrinhos rectangulares que, primeiro foram tapados com cortinhinhas e depois, face à curiosidade e sacanísse dos meus irmãos, acabaram por ser pintados.
O chão da cozinha tinha mosaicos aos quadradinhos pretos e brancos e a sala de entrada (sala de jantar), mosaicos com motivos em tons de vermelho e tecto com rosetas e floreados de gesso. As restantes divisões tinham chão e tectos de madeira.
A “minha casa” já não é minha, nem tão pouco nossa. Esteve alugada aos meus pais durante quase 40 anos e foi vendida à 14 anos para demolir e construir um prédio no seu lugar (Actualmente ainda está de pé, cada vez mais degradada. Evito sempre passar por lá porque sofro ao vê-la assim decadente).
…Aiiiiii, faltam-me contar tantas coisas!!!!!
Não quero tornar o texto maçudo e enfadonho, desculpem a “injecção” mas tinha MESMO que partilhar!
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