19 de agosto de 2009

Leituras com sorrisos nos lábios

Na noite passada acabei de ler "cal", de José Luís Peixoto.

O primeiro romance que li dele foi "Nenhum Olhar", estava precisamente nas Galveias, Ponte de Sor, a sua terra. Foi-me lá, oferecido por uma amiga com familiares comuns ao escritor. Ainda não o conhecia. Fiquei rendida à simplicidade e beleza da sua escrita que tem o dom de despertar sentimentos. Despretensioso.

Nem calculam a sensação que tenho quando leio um livro precisamente no sítio que o pariu ou que se desenvolve nos locais onde me encontro no momento. É indescritível, conseguem-se quase sentir os cheiros…

Aconteceu-me precisamente o mesmo com o "Suor" de Jorge Amado. Li-o em Salvador da Baía, precisamente no local onde foi escrito, muitas das descrições e relatos eram sobre o hotel onde estava instalada, dantes, albergue de prostitutas, forasteiros e artistas sem eira nem beira.

Voltando ao "Cal"… 21 estórias de velhos, de solidões e lembranças tão reais que nos comovem. Quase lhes conseguimos tocar e adivinhar os trejeitos.

Não resisto a transcrever uma passagem da peça que me fez rir, ou quase chorar…não sei bem.

Uma das personagens é a velha Olga, perdeu o tino, o tempo…voltou a ser menina fogosa, encantada, apaixonada.

"À manhã 1.Inverno

(Olga caminha sozinha. Avançando durante alguns passos sem direcção e parando-se, avançando e parando-se, dando algumas voltas, avançando e parando.)

OLGA

Eu não quero saber se vem aí o Inverno. Eu não tenho medo do frio. Há o lume, há as mantas, há uma data de coisas que servem para a gente se tapar. (pausa, sorri) Há o meu amor. Ai, o meu amor. Quantas vezes prefiro o meu amor a um lume, ou até a uma manta. (virando-se de repente para o outro lado) Ah, cachopos que estouro-os. Não querem lá ver o veneno dos cachopos. Deixem-me. O que é que eu lhes fiz? Só querem é parodim espanhol, mas vão ver… (para uma cadela invisível) Ladina, segura-te cadela…Não se ponham a pau que vão ver. Deslargo-lhes a cadela em cima que vão ver. (voltando-se para onde estava voltada no início) Eu até me quer parecer que quando chega a invernia, as coisas ficam todas mais certas. (apanha uma pedra, observa-a com cuidado na palma da mão) Uma pedra é uma pedra, mesmo com as formazinhas todas de uma pedra. (virando-se de repente) Levam uma pedrada no centro da testa que vão ver. Cachopos de um corno. (regressando à posição inicial) Eu não sei se é do frio, é capaz, mas, quando chega Janeiro, fica tudo mais certo, até se distinguem os veios todos das pedras……Até lá está o meu amor. Ai, o meu amor."

José Luís Peixoto, in cal

10 comentários:

Vitor disse...

E que bem que me fez ler “este bocado”pela manhã!

Bj*

forteifeio disse...

Definitivamente não é o meu género. E apesar de muitas das expressões poderem ser utilizadas, eu que conheço bem o Alentejo, vejo um exagero na linguistica utilizada por ele. Mas gostos não se discutem respeitam-se.
:)

bjs

rosebud disse...

Excelente Ana.
Fez-me sorrir.A "loucura" é por vezes comovente,, como a lembrança do amor entre as pedras e uma Ladina no embalo de um inverno.
Tal como tu ,gosto de ver os sítios da escrita.Era pequena quando a minha mãe me levou a Tormes,onde o Jacinto do Eça pernoitou .Lia compulsivamente,montes e montes de livros.Muito eu aprendi com ela.Aida me recordo da ida a São Miguel de Ceide, a casa do Camilo,e de me chamar a atenção para a acácia do Jorge,o filho deficiente que se abrigava nessa sombra.
Há poucos anos, numa das minhas romarias,não descansei enquanto não pisei o "Grand Hotel des Bains"
onde o Visconti filmou a "Morte em Veneza".Foi um deslumbramento!

Ana GG disse...

Vitor
Se ainda não leste nada dele, experimenta. Acho que vais gostar.

bj

Ana GG disse...

Forte

Se todos gostássemos de azul, que seria do amarelo?
:)

Para quem não conhece, talvez esta não fosse a melhor escolha. É um texto escrito para uma peça de teatro, exagerado, julgo que propositadamente.

Eu, felizmente também conheço bem o Alentejo, que adoro e por proximidade, muitas das nossas expressões são comuns. Podes ter achado algum exagero mas olha que mim recordaram-me muito as velhotas da serra e os locais para onde ia de férias em miúda.

Ai o cachopo que anda fugido!

;P

Ana GG disse...

rosebud

A loucura pode ser comovente e ter muito de verdade.

Haja alguém que me entende!
É deliciosa a sensação de, quase, fazermos parte da estória.

Maria disse...

ora mais tarde vou ler-te com atenção. agora quero deixar um beijinho e ouvir a tua música :)

LBJ disse...

Ana do Sul,

Eu entendo-te sim senhora e sabes que gosto de escrita sem preconceitos :)

Eu gosto de amarelo e de verde mas isso já tu sabias e sei de fonte segura que a menina dava uma grande personagem de um romance e se o assumires toda a tua vida e por onde já passaste passa a fazer parte do cenário ;)

Bêjos

Ana GG disse...

Who

Agradeço e retribuo o beijinho.
Sabes que aqui podes ficar à tua vontade sempre que te agradar a musiquinha.

bjos

Ana GG disse...

LBJ

Já leste alguma coisa de JLPeixoto? Ias gostar desta "cal".


obrigada pela visita!

pessoal que gosta de estar a par destas andanças

facebokiANOS a par desta coisa