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Na noite passada acabei de ler "cal", de José Luís Peixoto.
O primeiro romance que li dele foi "Nenhum Olhar", estava precisamente nas Galveias, Ponte de Sor, a sua terra. Foi-me lá, oferecido por uma amiga com familiares comuns ao escritor. Ainda não o conhecia. Fiquei rendida à simplicidade e beleza da sua escrita que tem o dom de despertar sentimentos. Despretensioso.
Nem calculam a sensação que tenho quando leio um livro precisamente no sítio que o pariu ou que se desenvolve nos locais onde me encontro no momento. É indescritível, conseguem-se quase sentir os cheiros…
Aconteceu-me precisamente o mesmo com o "Suor" de Jorge Amado. Li-o em Salvador da Baía, precisamente no local onde foi escrito, muitas das descrições e relatos eram sobre o hotel onde estava instalada, dantes, albergue de prostitutas, forasteiros e artistas sem eira nem beira.
Voltando ao "Cal"… 21 estórias de velhos, de solidões e lembranças tão reais que nos comovem. Quase lhes conseguimos tocar e adivinhar os trejeitos.
Não resisto a transcrever uma passagem da peça que me fez rir, ou quase chorar…não sei bem.
Uma das personagens é a velha Olga, perdeu o tino, o tempo…voltou a ser menina fogosa, encantada, apaixonada.
"À manhã 1.Inverno
(Olga caminha sozinha. Avançando durante alguns passos sem direcção e parando-se, avançando e parando-se, dando algumas voltas, avançando e parando.)
OLGA
Eu não quero saber se vem aí o Inverno. Eu não tenho medo do frio. Há o lume, há as mantas, há uma data de coisas que servem para a gente se tapar. (pausa, sorri) Há o meu amor. Ai, o meu amor. Quantas vezes prefiro o meu amor a um lume, ou até a uma manta. (virando-se de repente para o outro lado) Ah, cachopos que estouro-os. Não querem lá ver o veneno dos cachopos. Deixem-me. O que é que eu lhes fiz? Só querem é parodim espanhol, mas vão ver… (para uma cadela invisível) Ladina, segura-te cadela…Não se ponham a pau que vão ver. Deslargo-lhes a cadela em cima que vão ver. (voltando-se para onde estava voltada no início) Eu até me quer parecer que quando chega a invernia, as coisas ficam todas mais certas. (apanha uma pedra, observa-a com cuidado na palma da mão) Uma pedra é uma pedra, mesmo com as formazinhas todas de uma pedra. (virando-se de repente) Levam uma pedrada no centro da testa que vão ver. Cachopos de um corno. (regressando à posição inicial) Eu não sei se é do frio, é capaz, mas, quando chega Janeiro, fica tudo mais certo, até se distinguem os veios todos das pedras……Até lá está o meu amor. Ai, o meu amor."
José Luís Peixoto, in cal
10 comentários:
E que bem que me fez ler “este bocado”pela manhã!
Bj*
Definitivamente não é o meu género. E apesar de muitas das expressões poderem ser utilizadas, eu que conheço bem o Alentejo, vejo um exagero na linguistica utilizada por ele. Mas gostos não se discutem respeitam-se.
:)
bjs
Excelente Ana.
Fez-me sorrir.A "loucura" é por vezes comovente,, como a lembrança do amor entre as pedras e uma Ladina no embalo de um inverno.
Tal como tu ,gosto de ver os sítios da escrita.Era pequena quando a minha mãe me levou a Tormes,onde o Jacinto do Eça pernoitou .Lia compulsivamente,montes e montes de livros.Muito eu aprendi com ela.Aida me recordo da ida a São Miguel de Ceide, a casa do Camilo,e de me chamar a atenção para a acácia do Jorge,o filho deficiente que se abrigava nessa sombra.
Há poucos anos, numa das minhas romarias,não descansei enquanto não pisei o "Grand Hotel des Bains"
onde o Visconti filmou a "Morte em Veneza".Foi um deslumbramento!
Vitor
Se ainda não leste nada dele, experimenta. Acho que vais gostar.
bj
Forte
Se todos gostássemos de azul, que seria do amarelo?
:)
Para quem não conhece, talvez esta não fosse a melhor escolha. É um texto escrito para uma peça de teatro, exagerado, julgo que propositadamente.
Eu, felizmente também conheço bem o Alentejo, que adoro e por proximidade, muitas das nossas expressões são comuns. Podes ter achado algum exagero mas olha que mim recordaram-me muito as velhotas da serra e os locais para onde ia de férias em miúda.
Ai o cachopo que anda fugido!
;P
rosebud
A loucura pode ser comovente e ter muito de verdade.
Haja alguém que me entende!
É deliciosa a sensação de, quase, fazermos parte da estória.
ora mais tarde vou ler-te com atenção. agora quero deixar um beijinho e ouvir a tua música :)
Ana do Sul,
Eu entendo-te sim senhora e sabes que gosto de escrita sem preconceitos :)
Eu gosto de amarelo e de verde mas isso já tu sabias e sei de fonte segura que a menina dava uma grande personagem de um romance e se o assumires toda a tua vida e por onde já passaste passa a fazer parte do cenário ;)
Bêjos
Who
Agradeço e retribuo o beijinho.
Sabes que aqui podes ficar à tua vontade sempre que te agradar a musiquinha.
bjos
LBJ
Já leste alguma coisa de JLPeixoto? Ias gostar desta "cal".
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