Ontem, no trabalho, aconteceu-me um episódio caricato.
Na minha primeira aula da manhã, os alunos de uma turma de 8º ano apresentaram-se à porta da sala com um misto de euforia e ansiedade contagiantes e um cão bebé…lindoooo, ao colo.
Este misto de angústia e excitação devia-se à incerteza de poderem ou não tomar conta daquele cachorro que encontraram perdido ou abandonado (!?) durante todo o dia de aulas. Garantiram-me que já tinham pedido autorização no Conselho Executivo e que o presidente da escola (certamente de ânimo leve e sem prever que o levassem para dentro das salas) tinha consentido que o bichano passasse o dia na escola. A ideia, utópica como calculei, era que no final do dia os pais de um dos alunos aceitasse com um sorriso de orelha a orelha mais um membro na família.
Ora eu, que não resisto, nem faço o mínimo de esforço em resistir ao olhar de um animal perdido ou abandonado…disse prontamente que sim, que aquela coisa mais linda podia fazer-nos companhia na sala desde que se portassem todos bem. Assim foi, o cão dormiu durante toda a aula (desenganem-se…não pensem que as minhas aulas põem a dormir o pessoal) e os miúdos fizeram de conta que nada de invulgar se passava.
Dei as aulas seguintes, tive uma hora de almoço e quando voltei a entrar, depois de fumar um cigarrito na rua, volto a cruzar-me com alguns alunos da tal turma com o irresistível cachorro ao colo. Estavam com um 2º problema: ”à excepção da stora Ana e da stora de Ciências mais ninguém nos deixou levar o cão para a sala (porque teria sido?), agora ainda vamos ter mais duas horas de aulas e não sabemos onde o deixar”…DESESPERO TOTAL! Nem pensei duas vezes: “Ó meus meninos, eu tomo conta do cachorro! Vai de novo para a minha sala. Já fez as necessidades, já bebeu água e tal e tal?” - SIM!!!!!...Irresponsabilidade ou impulso da minha parte…não sei?! Poderia não estar vacinado, ter parasitas e tal e tal, mas uma coisa tão fofa e com um olhar tão meigo por certo não poderia oferecer algum perigo para a comunidade escolar.
Assim foi! Levei-o comigo para a sala e, como era de prever, os alunos da turma que iam ter aulas comigo ficaram completamente tresloucados, desconcentrados e excitados com o novo “colega”. Pensei para comigo: “calma Ana, tu dás aulas há muito tempo e de certeza que és capaz de controlar a situação”…e controlei…durante 10 minutos. Eis senão quando o meu visitante resolveu levantar-se do seu cantinho, colocar-se numa posição suspeita, fazer alguma força e desatar a borrar-me a sala toda antes que eu tivesse tempo de dizer “AI”. Foi o caos!!!!!!!! Alunos a fugirem para perto das janelas, histeria total! O sacana apanhou-me desprevenida e a minha experiência não contemplava, até à data, uma situação tão complicada e caricata. Depois de algum tumulto e, reconheço, um ou outro (ou vários) gritos ameaçadores, lá controlei a situação, limpámos o local do crime e a aula decorreu lindamente…pudera, os putos, meus alunos pela primeira vez, tiveram a sua primeira oportunidade de ver a minha faceta de general das tropas do inimigo.
Hoje, na reunião semanal de conselho de ano, o mediático caso do cachorro abandonado veio à baila. A directora da dita turma, bem como grande parte dos meus colegas, estavam estupefactos com a ousadia dos alunos daquela turma e dispostos a aplicarem-lhes um pequeno “castigo” para que não tornassem a repetir a proeza “Estes miúdos são impulsivos e irresponsáveis, é impensável trazer animais para a escola, muito menos para dentro das salas de aula!” Eu, que era suposto “colocar o rabo entre as pernas”, porque senti que tinha culpas no cartório, discordei completamente de tal proposta! Que não se faça deste episódio uma regra mas sim uma excepção…este foi apenas um sinal de que estes miúdos têm sentimentos. E disse mais, se fosse eu, com a idade deles, não só teria levado o cachorro para a escola como teria faltado a todas as aulas se não encontrasse um sítio seguro ou alguém que ficasse a tomar conta do bichano.
Felizmente os nossos alunos não são apenas só números e esta geração não é tão rasca como se apregoa. Alguns valores, ainda que por vezes aplicados da forma menos correcta e mais impulsiva, existem. Quanto a mim, acho muito positivo e saudável saber que estes jovens não são apenas máquinas frias e racionais e que por vezes ainda são capazes de agir com o coração nas mãos… E VIVA A SENSIBILIDADE!